domingo, outubro 29, 2006

Grande Sertão: Veredas aos 50 anos

22 de fevereiro de 2006
Ensaio: Roberto Pompeu de Toledo
Grande Sertão: Veredasaos 50 anos
Para lembrar o livro de Guimarães Rosa, lançado em 1956, com a palavra Riobaldo, o narrador da história


Sobre Deus: "Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo."

Sobre o diabo: "Olhe, o que devia de haver era de se reunirem-se os sábios, políticos, constituições gradas, fecharem o definitivo a noção – proclamar por uma vez, artes assembléias, que não tem diabo nenhum, não existe, não pode. Valor de lei! Só assim davam tranqüilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida?"

Sobre Deus e o diabo: "(...) o diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro. Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer – moço! – me dá o medo pavor. Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza."

Sobre o sentido da vida (ou falta de): "Em desde aquele tempo, eu já achava que a vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria."

Idem: "(...) existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver – e essa pauta cada um tem – mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que, sozinho, por si, alguém ia poder encontrar, e saber? Mas, esse norteado, tem. Tem que ter. Se não, a vida de todos ficava sendo sempre o confuso dessa doideira que é. E que: para cada dia, e a cada hora, só uma ação possível da gente é que consegue ser a certa."

Sobre ensinar/aprender: "Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende..." Idem: 'Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas."

Sobre entender/não entender as coisas: "Ah, o que eu não entendo, isso é que é capaz de me matar."

Idem: "Conto minha vida, que não entendi."

Sobre o conceito de "vida", como um todo: "'Vida' é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei duma idéia falsa. Cada dia é um dia."

Sobre acontecimentos: "Agora eu sei como tudo é: as coisas que acontecem, é porque já estavam ficadas prontas (...)"

Sobre a necessidade de clareza: "Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruím, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados..."

Sobre certezas: "O que juro, o que sei, é que tucano tem papo."
Sobre lugares que mudam de nome: "Todos os nomes eles vão alterando. É em senhas. São Romão todo não se chamou de primeiro Vila Risonha? O Cedro e o Bagre não perderam o ser? O Tabuleiro-Grande? Como é que podem remover uns nomes assim? O senhor concorda? Nome de lugar onde alguém já nasceu devia de estar sagrado. Lá como quem diz: então alguém havia de renegar o nome de Belém – de Nosso-Senhor-Jesus-Cristo no presépio, como Nossa Senhora e São José? Precisava de se ter mais travação. Senhor sabe: Deus é definitivamente; o demo é o contrário Dele..."
Sobre pobres: "Pobre tem de ter um triste amor à honestidade."

Sobre o amor: "Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."

Sobre o amor a Diadorim: "E digo ao senhor como foi que eu gostava de Diadorim: que foi que, em hora nenhuma, vez nenhuma eu nunca tive vontade de rir dele."

Sobre raiva: "(...) a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente: o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é."

Sobre a alegria de mandar: "Ali naqu'ela horinha – meu senhor – foi que eu lambi idéia de como às vezes devia de ser bom ter grande poder de mandar em todos, fazer a massa do mundo rodar e cumprir os desejos bons da gente."

Idem: "Aonde eu ia, todos achavam natural. Chefe é chefe. Será que eles não sabiam que eu não sabia aonde ia?"

Sobre coisas espantosas: "Ave, já vi tudo, neste mundo! Já vi até cavalo com soluço..."

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