sábado, julho 14, 2007

A garantia do exercício da possibilidade

FOME DE SABER SEDE DE VIVER!

Oswald de Andrade, em seu Manifesto Antropofágico, de 1928, discorre em um texto mordaz e irônico o procedimento cultural que implica no ato de conscientizar sobre a brasilidade. Nesta manifestação, o autor faz do ato canibalístico seu instrumento para a devoração do estrangeiro. Acredito que o modernista não gostaria de assistir à antropofagia da sociedade de consumo, com a realidade que produz. Caro Oswald, preciso dizer-lhe que no lugar de devorar, somos devorados. Todos os dias. Continuamente, velozmente, impiedosamente.

É impossível continuar discorrendo sobre a realidade atual sem informá-lo que a grande boca que nos devora começa nas palavras que imperam em nossa língua. Para o senhor, que disse certa vez que a língua é a soma milenar de todos os nossos erros, não seria muito agradável ver as distorções a que estamos submetidos. Sinto dizer, mas o estrangeiro hoje é sinônimo de "status". E quem não tem status é excretado. Porque, para ter status, precisa consumir.

Bem, então, consumidos pela sociedade de consumo, consumimos tudo que nos fazem acreditar em uma almejada qualidade de vida. Idéia aliás, que também é produto do consumo que nos consome. Mas, sem tempo para a qualidade, nos nossos trabalhos insanos, optamos por um "lanchinho" rápido, ao invés de um belo prato. E enquanto devoramos um "hambúrguer", somos devorados pelo "fast food", do qual "fastmente" somos expelidos. E vamos aos "shoppings centers", comprar um celular ou um computer, porque ninguém vive sem "e-mail" hoje em dia. Papel, caneta, carteiro? Esquece. O negócio agora é a era da informática, que trouxe de vez o inglês para nossa pátria. Do "Tupi or not Tupi", não nos restou nem a língua mátria.

Neste ponto do texto, tive que parar de escrever porque sai do trabalho. O negócio é que voltando para casa, uma amiga ligou no celular para dar uma ótima notícia, fumei um Malrboro, parei em um Select, comi um bolinho de carne, um quiche e tomei uma coca light. E, devo confessar, amei. Portanto, não vou cuspir no prato que como todo dia. Pois não vivo sem celular, trabalho com computador o tempo todo, amo as facilidades da Internet e mando e recebo e-mails todo dia.

Isso não invalida, porém, o excesso em que vivemos, o estresse que passamos pelo bombardeio de informações e pelo massacre dos meios na pós-modernidade. É desgastante, nos engolem diariamente. Mas, se por um lado vivemos todo tipo de caos nesse mundo globalizado, que nos aproxima, mas também nos encurrala, vivemos também a era da diversidade, incrementada inclusive pela expansão de nossas fronteiras com as novas tecnologias. Com tantas realidades, percebo que, talvez, o mais revolucionário dos atos no mundo contemporâneo, é o respeito à diferença de pensamento, etnia, credo, gênero, classe social e, acima de tudo, identidade.

Temos como responsabilidade sim usar as ferramentas, nossos conhecimentos e os espaços que temos o privilégio de ocupar para manter viva a luta por um mundo mais homogêneo com a expansão do acesso à diversidade de informações, cultura e consumo, valorizando o instrumento que temos em mãos. Acho bobagem levantar bandeiras que só geram exclusão de diferentes grupos e opiniões. Podemos unir todos esses aspectos do mundo pós-moderno a favor da homogeneidade no direito ao acesso, respeitando a heterogeneidade de cultura, valorizando a identidade de cada um e aceitando a diversidade como ponto primordial da existência ou, melhor dizendo, da coexistência.

Devoremos então o farto prato que nos é concedido pela realidade atual e por nossas relações diárias da melhor forma possível, valorizando o consumo como um banquete a ser dividido, reduzindo ao máximo a idéia de que o que o povo quer é pão e circo. Resgatando, mais uma vez do Manifesto de Oswald, o direito como a garantia do exercício da possibilidade.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog